vê aquilo deitado entre suas roupas, uma pequena trouxinha de pêlos adormecida sobre sua cama. aproxima-se da coisa, sente vontade de ver mais perto, ainda mais perto. calcula que a cabeça do errante equivale a um terço de sua mão. aperta de leve, fazendo aumentar a pressão gradualmente, brincando de testar o contraste da sua força com a fragilidade do bicho.
o gato morde-lhe o dedo. 'ora, veja só como esse maldito se vinga! e finca-me os dentinhos ainda de olhos fechados'.
nu, deitado na cama, põe-se ainda a observar a pequena criaturinha dócil, que dorme. o que faria agora? patinhas rosadas. macias. deliciosas patinhas rosadas e macias como miolo de pão. com a ponta de dois dedos aperta a mão do bichano, simulando um cumprimento. faz do aperto de mãos uma seqüência repetida de vai-e-vens frenéticos. ri-se. aperta com mais intensidade. ri da ridicularidade do seu ser. ri por importunar o pobre gatuno que possui o desvalor das coisas pequenas, das coisas que estão no chão, que não fazem parte da engrenagens que movem sua vida. o que fazia ali? nu, deitado de bruços, desafiando a atenção de uma pequena insignificância que caminha pela casa, que vive no desnecessário; esquecendo dos minutos que se esvaiam na brincadeira tola e solitária. solitária, veja. nem mesmo o animal dá-se conta, dorme. o mundo torna-se aquele momento, aquele instante concentrado nas pequenas partes da criaturinha em seu estado desatento e imóvel. e nada parece mais importante do que esse ínfimo duelo inconsciente.
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